NOTA DE SOLIDARIEDADE AOS AFETADOS PELAS PELAS CHUVAS NOS ESTADOS DO CAIA E RIO GRANDE DO SUL

A Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia (ANPEGE), vem a público prestar solidariedade às inúmeras vítimas das recentes enchentes ocorridas nesse último ano, e que vitimaram a quase totalidade dos municípios do estado do Acre e, mais recentemente, vários municípios do estado do Rio Grande do Sul.

As notícias recentes das enchentes no Rio Grande do Sul e as que ocorreram no mês de março no Acre acendem novamente o alerta para os eventos extremos que são provocados pelas mudanças no clima. Nesse sentido é importante ter ciência de que o atual modelo de relação social de produção tem desempenhado um papel significativo na ocorrência destes fenômenos, constituindo verdadeiras tragédias sociais. Seja por meio do modelo de uso e ocupação do solo que não reconhece os efeitos de suscetibilidade e vulnerabilidade dos ecossistemas, marcadamente determinados pela extrema extração da renda territorial e da superexploração do trabalho, o que amplifica a profunda falha metabólica, ou seja a separação mais radical da relação humanidade com a natureza, decorrente ainda pelas políticas de planejamento urbano, rural e regional que negligenciam completamente esses limites e os problemas sociais e territoriais desencadeados pelo modelo econômico dominante.

No Acre dos 22 municípios dessa unidade da federação, 19 estiveram em estado de emergência, e o número de atingidos ultrapassou 120 mil pessoas entre desabrigados e desalojados sendo registradas ao menos quatro mortes. No estado do Rio Grande Sul, até então estima-se que mais 850 mil pessoas foram atingidas em 355 municípios do estado, e o número de mortos momentaneamente é de 83, sendo que quatro óbitos estão em investigação, e inúmeras pessoas desaparecidas.

Ambos os casos se somam aos diversos desastres ambientais cada vez mais observados no Brasil. Os desastres que podem ser desencadeados por origens naturogênicas, nada tem de natural. Pelo contrário, como já dito, estão diretamente relacionados com o modo que a sociedade tem se relacionado com a natureza. Esta relação tem se dado de forma desigual em diversas dimensões. O desastre ambiental é uma de suas facetas. Aqueles e aquelas com menos proteção, sofrem com as injustiças e racismos ambientais que se produzem cotidianamente e se manifestam nestas tragédias. Isso significa dizer que a desigualdade social-espacial vivenciada cotidianamente por diferentes grupos sociais vulnerabilizados, é intensificada no contexto das mudanças climáticas.

É indispensável ressaltar a correlação desses eventos com a intensidade das atividades industriais, agrícolas e de transporte em larga escala como responsáveis por uma grande parte das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE), como dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e dióxidos de nitrogênio (NO2). Esses gases contribuem para o aquecimento global e as mudanças climáticas.

A conversão de florestas em áreas agrícolas, para produção da monocultura de larga escala, assim como as pastagens e crescimento urbano-industrial resultam no aumento de volume e velocidade do escoamento superficial. No bojo desse processo de urbanização e industrialização, sem a restauração da vegetação e uma consistente infraestrutura (represas de contenção, canais de drenagem, áreas de proteção, entre outras), assiste-se a alteração do ciclo hidrológico e a amplificação das enchentes e das destruições.

As práticas agrícolas intensivas, tão alardeadas como modelo prioritário de crescimento econômico no Brasil, com o uso contínuo de fertilizantes e agrotóxicos, têm causado a poluição da água, do solo e do ar. Isso afeta a saúde humana e a biodiversidade, mas também contribui para mudanças climáticas locais e regionais. A obra de Rachel Carson "Primavera Silenciosa", já em 1967, denunciava o uso indiscriminado de substâncias tóxicas como o Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) nos ambientes naturais, da mesma forma que convivemos com substâncias extremamente tóxicas como o glifosato, entre outros agrotóxicos largamente “liberados” no país. Todos esses processos apontavam consequências de longo prazo, adoecimento, pandemia, e está evidente que o tempo de resposta dos ecossistemas reduziu drasticamente. 

Políticas públicas efetivas devem ser produzidas no diálogo profícuo entre as ciências sociais e as ciências da natureza atentas as necessidades sociais, considerando os constantes sinais dos ecossistemas que agonizam, e visibilizando as inúmeras intersecções socioambientais estruturadas nas desigualdades coloniais, regionais e territoriais. 

Coloca-se também como desafio para o momento histórico considerar a ciência e a produção de conhecimento, reconhecendo seus papéis fundamentais para subsidiar a avaliação e a produção de políticas públicas, que possam evitar ou dirimir tais problemas. O que só é possível se os poderes executivos, legislativos e judiciários caminharem lado a lado com as instituições de ensino, pesquisa, combatendo antes de tudo, as políticas pautadas nos discursos de negação da ciência, da redução das legislações que garantam o uso equilibrado dos bens comuns (terra, água e ar), do desmonte das políticas sociais e ambientais e das estruturas que as resguardam.

Como geógrafos, geógrafas, professoras e professores nos solidarizamos e não nos furtamos a debater e propor alternativas às formas de convivência, uso, ocupação do espaço.
 

Amapá, 08 de maio de 2024.

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