ARTIGO VIROU TESE?MANIFESTAÇÃO DA ANPEGE A RESPEITO DAS PRÁTICAS EM ACEITAR ARTIGOS PUBLICADOS EM PERIÓDICOS COMO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO E TESE DE DOUTORADO

Ano de publicação: 2021

ARTIGO VIROU TESE?

MANIFESTAÇÃO DA ANPEGE A RESPEITO DAS PRÁTICAS EM ACEITAR ARTIGOS PUBLICADOS EM PERIÓDICOS COMO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO E TESE DE DOUTORADO



 



ARTIGO VIROU TESE?



MANIFESTAÇÃO DA ANPEGE A RESPEITO DAS PRÁTICAS EM ACEITAR ARTIGOS PUBLICADOS EM PERIÓDICOS COMO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO E TESE DE DOUTORADO



 



A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE) foi provocada a se manifestar a respeito de mudanças que vêm ocorrendo na forma e no conteúdo do que se entende por Dissertação de Mestrado e Tese de Doutorado Acadêmico nas Ciências Humanas e na Geografia. A questão levantada refere-se à aceitação de artigos submetidos e publicados em Periódicos como Dissertação e/ou Tese, em casos nos quais um Programa de Pós-Graduação acadêmico aceita um ou mais artigo(s) anteriormente aprovado para publicação ou já publicado em Periódico como um Mestrado, e/ou uma sequência de artigos nessa condição, reconhecidos como capítulos antecedidos por introdução e prescindidos por conclusão, como uma Tese.



A ANPEGE levou esse tema para o Fórum dos Coordenadorxs, realizado entre os dias 14 e 15 de setembro de 2021, como ponto de pauta específico de discussão. Com base nesse debate, mas sobretudo como posicionamento da Diretoria dessa Associação (Gestão 2020-2021), os argumentos que compõem essa manifestação visam abrir o debate sobre uma prática já vigente no sistema de pós-graduação brasileiro e que começa a chegar nas ciências humanas, sendo já uma realidade na Geografia.



O objetivo dessa manifestação é problematizar abertamente o que pode vir a ser a destruição do conceito de Dissertação de Mestrado e de Tese de Doutorado.



Segue uma séria de problematizações e questionamentos iniciais:



1 – A mudança do que se entende por Dissertação e Tese não passou por discussão e debate na comunidade da Pós-Graduação em Geografia, sendo necessário que esta comunidade, na sua pluralidade e diferença, posicione-se diante das possíveis transformações no conceito de Dissertação e Tese.



2 - Aceitar um artigo ou uma sequência de artigos como um trabalho acadêmico nos níveis de Mestrado e Doutorado implica em aceitar a mudança do seu conceito, bem como a transformação do conceito de artigo. Quais a definições conceituais de Dissertação, Tese e Artigo? O artigo de periódico passa a conter um duplo aspecto? Ele é ao mesmo tempo um artigo e uma dissertação de Mestrado, por exemplo? Qual o gênero textual de uma Dissertação/Tese? Um periódico/revista acadêmica, que tem sua existência pautada na organização e publicação de artigos, passaria a ser responsável pela publicação de uma sequência de Dissertações? Com essas questões, defende-se que as transformações já em curso não são de caráter meramente formal, de redefinição de aspectos formais como número de páginas, margem do texto, tipo de fonte, etc. Trata-se de uma mudança que vai além da estrutura geral do documento acadêmico. É uma mudança de conceito de Tese, Dissertação e Artigo que, até o momento, não foi objeto de discussão na Pós-Graduação em Geografia no Brasil.



3 – Se um artigo pode ser defendido e reconhecido como uma Dissertação e uma sequência de artigos como uma Tese, o que os diferencia? A quantidade de artigos é a distinção entre as duas modalidades de trabalho e título acadêmico?



4 – Uma parte dos argumentos em apoio às mudanças em voga, lastreia-se na defesa da flexibilização, podendo ser escolhido pelo discente, bem como aceito pelo Programa, Dissertações e Teses ou no formato “tradicional” ou no “novo” formato em artigo(s). A questão que se coloca é que a flexibilização, que ainda implicaria no debate dos conceitos definidores, pode resultar no esvaziamento do que é um Mestrado ou Doutorado. O ponto mais grave é a perda da unidade do conteúdo de uma Dissertação ou Tese. Perde-se, portanto, grande quantidade de registro de pesquisa e da memória social de um amplo estudo acadêmico. Os itens introdução e conclusão não serão suficientes para conferir a unidade de um documento cujas partes foram escritas como um todo em si mesmo, ou seja, em artigos. Ainda, contata-se a existência da possibilidade de defender a Dissertação ou Tese no exato formato do Periódico na qual foi publicado (Formatação dos artigos que serão aceitos como Tese e Dissertação pode variar de acordo com a revista aos quais foram submetidos. No mesmo documento, o compêndio dos artigos terá tipos de fontes/letras diferentes, espaçamentos distintos, etc.). De um produto em si, as Teses e Dissertações podem se transformar em compêndios de artigos. Flexibilizar não é outra coisa senão esvaziar o conteúdo de uma ampla pesquisa acadêmica, característica fundante de cursos de Mestrado e Doutorado.



5 – Defender e ter aprovado Dissertação e Tese que seja composta por artigos aceitos ou já publicados em Periódicos pode constituir autoplágio? (Lembrar que a Capes veiculou uma nota problematizando a realização de autoplagio, entendido como republicação do mesmo artigo em Revistas diferentes ou a mudanças de títulos e alguns trechos do texto, porém contendo basicamente o mesmo texto de um artigo publicado anteriormente, como forma e estratégia de potencializar o currículo lattes). De qualquer forma, no formato de artigos aceitos ou publicados, acaba-se com o ineditismo de Dissertações e Teses.



6 – Pode-se gerar um problema referente a autoria do Mestrado e Doutorado. No modelo “tradicional”, ninguém duvida que a autoria do trabalho é do discente com a função de orientação do professor(a). No modelo “flexível”, a autoria pode-se diluir. Existem áreas que aceitam o modelo flexível no qual os artigos que compõem uma Tese possam ter recebido a contribuição na realização da pesquisa e na escrita de outros autores (coautores). Dessa forma, os discentes perderão a possibilidade de elaborarem uma reflexão própria? Isso pode comprometer a própria formação da identidade do pesquisador? Mesmo que seja importante o caráter socializado/coletivo das pesquisas, com orientação e participação em grupos de pesquisa, no caso dos Mestrados e Doutorados guarda-se a dimensão individual de uma pesquisa lentamente realizada.



7 - Podem-se criar problemas referentes ao papel da banca avaliadora no que diz respeito à sua autonomia e segurança jurídica? No formato “flexível”, os artigos que integram a Dissertação/Tese podem já ter sido avaliados por pareceristas, dessa forma aceitos ou publicados. A tendência é que a eventual aprovação desses artigos gere a expectativa de que a banca siga na mesma direção dos pareceristas na defesa. Como lidar com a situação em que a banca decide reprovar um trabalho cujos artigos foram aprovados? Ela será questionada e será desautorizada com base nesse argumento? Isso abre para um quadro de insegurança jurídica, pois o aluno pode argumentar juridicamente que seu trabalho possui mérito atestado. O problema está justamente no fato de que a “flexibilização” sobrepõe e mescla produtos que são, por sua própria natureza, diferentes.



8 – Um dos argumentos a favor da mudança do formato das Dissertações e Teses é de que atualmente muitos desses trabalhos acadêmicos representam textos frágeis, de baixa qualidade científica, sendo que, em alguns casos, embora tenham passado por aprovação em banca de defesa, não constituem um Mestrado ou um Doutorado. Essa crítica faz supor que a aceitação de artigos resolveria esse problema. A pergunta é: em que o artigo acadêmico mudaria essa realidade? E, vale lembrar, que a corrida pelo Currículo Lattes robusto fez com a quantidade de artigos multiplicasse, sendo muitos deles com uma enorme fragilidade acadêmico científica, basta convocar ao debate editores e pareceristas dos Periódicos na área para termos a dimensão da quantidade e qualidade de artigos submetidos nas últimas duas décadas marcadas pela corrida frenética por publicação. O argumento da melhoraria da qualidade dos trabalhos acadêmicos via artigo não se sustenta. A mudança do conceito, portanto do formato dos trabalhos acadêmicos, não garante a melhoria da qualidade, muito pelo contrário. E é possível supor que isso pode gerar acomodação de alguns discentes em relação à exigência e rigor historicamente imposto na elaboração, como conhecemos até então, de um Mestrado ou Doutorado. Isso terá impacto negativo na qualidade dos trabalhos e na produção de conhecimento em geral. Vale a hipótese de que as Dissertações e Teses ruins neste novo modelo tendam a ser muito piores que as dissertações ruins no modelo tradicional.  



9 – Outro conceito que deverá ser repensado, caso essas mudanças ganhem espaço nos Programas de Pós-Graduação em Geografia, é o conceito de projeto de pesquisa. O Projeto de Pesquisa de Dissertação e Tese passa a ser o projeto de um artigo ou artigos? Quais as mudanças na forma e no conteúdo de um projeto de pesquisa a ser submetido em uma seleção de Mestrado e Doutorado? Como serão as seleções nos Programas?



10 – Atrelado à questão de como se constitui um projeto de pesquisa para defesa de artigos como Dissertação e Tese, impõe-se o tema do tempo da pesquisa e do cronograma da pesquisa. Haverá mudança no tempo de integralização dos Mestrados e Doutorados defendidos no formato de artigos? O cronograma da pesquisa ficará subordinado a seguinte hierarquia: a) realização da pesquisa, b) redação do artigo e submissão a um Periódico, c) dependência do tempo de tramitação dos Periódicos para ter o artigo aceito e/ou publicado? Atualmente, uma revista bem qualificada demora, em média, mais de um ano para publicar um artigo. Como ficaria a defesa de um discente de Mestrado? Escreveria o artigo no primeiro ano de pesquisa e depois ficaria esperando a publicação para defender?



11 - O problema do ritmo e movimento da pesquisa científica. Numa Dissertação ou Tese, em sendo um processo de longo prazo, o pesquisador pode repensar o projeto como um todo, seus objetivos e hipóteses, o que frequentemente acontece. No ritmo e no tempo de uma Dissertação ou Tese há a possibilidade de rever as hipóteses originais da pesquisa. Os pesquisadores podem seguir, no final da pesquisa, caminhos bem diferentes daquilo que foi previsto no início ou mesmo no meio do processo. Como ficará o caso em que discentes que realizarão seus Mestrados e Doutorados na forma de artigos queiram rever seus posicionamentos após parte dos artigos já estarem submetidos e publicados? Uma sequência de artigos publicados em momentos e períodos diferentes da pesquisa, segundo a data de publicação do Periódico, impactará na totalidade do texto apresentado para defesa de Mestrado e Doutorado? O que tudo indica é que o ritmo típico do processo de pesquisa se perde e se fragmenta. Os artigos exibem resultados de uma pesquisa muito parcial e sem a possibilidade de redefinição posterior.



12 - Para aprofundar a análise da proposta de flexibilização, ou seja, a possibilidade de livre escolha em realizar um Mestrado/Doutorado na forma “tradicional” ou “nova”, provavelmente gerará uma inevitável fragmentação: a coexistência de tipos muito diferentes de Dissertações e Teses, de acordo com a preferência do aluno e orientador, dentro de um mesmo Programa e Sistema de Pós-Graduação. Essa “flexibilização” atinge as bases do que entendemos como um produto acadêmico nos níveis aqui discutidos, restando a pergunta sobre como serão avaliados? Haverá um tipo de avalição dos trabalhos “tradicionais” e um novo tipo de avaliação para os trabalhos em artigos? E mais importante, como será a Avaliação da CAPES em relação aos Programas de Pós-Graduação em Geografia que organizam a produção de conhecimento no formado histórico dos Mestrados e Doutorados e o Programas que aceitam o novo formato em artigos? Como avaliar e comparar Programas nos quais os produtos científicos são em forma e conteúdo diferenciados? (Ressalte-se a isso o fato de que as últimas discussões sobre avaliação nos Seminários de Meio Termo da Geografia - cujo relatório encontra-se disponível no site da CAPES - e em outros documentos da CAPES, essa abertura não está posta e discutida). Como será realizada a Avaliação desses Programas pela CAPES?



13 - Na atual ficha de avaliação de CAPES não há nenhuma menção a outro entendimento do conceito de Dissertação e Tese que não seja o da compreensão tradicional e historicamente sedimentada. Nos documentos de área e ficha de avaliação da Geografia, refere-se expressamente a Teses e Dissertações no formato “tradicional”. Como será realizada a Avaliação pela Representação da área de Geografia na CAPES para o Quadriênio 2017-2020, uma vez que tal prática já existe em Programas de Pós-Graduação em Geografia?



14 – Qual o futuro das Dissertações e Teses? Quais as Dissertações e Teses do futuro?



Com base nas problematizações e questionamentos expressos nessa manifestação, a ANPEGE convoca as Coordenações de Programas de Pós-Graduação em Geografia - seus colegiados e corpo docente e discente -, as representações da Geografia na CAPES e no CNPq e as demais Associações Cientificas dessa área do conhecimento ao debate sobre mudanças, provavelmente irreversíveis, nas possibilidades de produção de conhecimento geográfico.



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