O desmonte da política ambiental e o agravamento das injustiças no Brasil

O desmonte da política ambiental e o
agravamento das injustiças no Brasil

Manifesto de criação do Grupo de Trabalho ECOlutas

Inquietos com o atual cenário político, marcado, entre outros desafios, pelo “desmonte” das políticas ambientais no país, alguns dos membros da Rede de Pesquisadores em Geografia (Socio)Ambiental/RPG(S)A, composta por pesquisadores de várias universidades brasileiras (https://geografia-socio- ambiental.webnode.com/), decidimos criar um Grupo de Trabalho (GT) em que fossem analisados dados, informações e estudos sobre a conjuntura atual, particularmente no tocante ao problema em questão.

Por meio de análises de conjuntura, examinaremos (recorrendo a materiais publicados na grande imprensa, em sites e outras fontes a nós acessíveis, além de entrevistas e conversas com ativistas), os aspectos principais das diversas injustiças ambientais e do referido “desmonte” (por exemplo, intervenções governamentais em instituições como
IBAMA e ICMBIO; propostas de alteração ou alterações já concretizadas de legislação e composição de conselhos; pressões sobre o INPE; decisões sobre a participação brasileira em fóruns e tratados internacionais; e atitudes de estímulo ao desrespeito de direitos dos povos indígenas, a começar pelo não reconhecimento de suas terras e
seus territórios). Será dado especial destaque aos efeitos disso tudo sobre as trabalhadoras e os trabalhadores da cidade e do campo e as comunidades tradicionais.

A finalidade do grupo de trabalho, que chamamos de ECOlutas, é, para além de alimentar e inspirar reflexões e trabalhos estritamente acadêmicos, contribuir com as práticas sócio-espaciais de movimentos sociais e de outros tipos de ativismo, com cunho emancipatório e de resistência. Os documentos que o ECOlutas pretende produzir serão,
assim, voltados para uma intervenção pública e de ampla divulgação, no meio acadêmico e, sobretudo, em mídias que possam atingir a população
brasileira. Além do mais, esperamos produzir boa parte desses materiais com base em um diálogo direto com os próprios ativistas, configurando,
assim, parcerias.

O ECOlutas parte da constatação de que, apesar de uma longa trajetória de existência de processos de rapina e degradação ambiental no Brasil, decorrentes do poder heterônomo e da priorização da acumulação de capital em detrimento dos interesses da maior parte da população − conduzindo a uma ciranda nefasta que inclui a especulação
imobiliária e a destruição de ecossistemas, a exploração do trabalho e até mesmo o trabalho escravo, a produção de mercadorias e de espaço
dentro de uma lógica neocolonial e a reprodução da alienação e da ideologia do consumismo −, vivenciamos um momento triste na história do Brasil, em virtude da ascensão ao poder estatal de indivíduos e grupos que têm preconizado concepções ultraliberais, conservadoras, sectárias, xenofóbicas, negacionistas de evidências científicas, antiecológicas e segregadoras. O ódio, a intolerância, o desrespeito, o autoritarismo e a tentativa de destruir conquistas sociais oriundas de lutas passadas,
infelizmente, são traços da atual conjuntura política, e isso em vários níveis de governo, do local ao nacional.

Como consequências deste processo, temos, neste mês de janeiro de 2021, um país em frangalhos, marcado por:


1) Mais de 200 mil mortes em virtude da pandemia do COVID-19;

2) Recordes de desmatamento e queimadas, sobretudo na Amazônia e no Pantanal;

3) Permanência da impunidade e da corrupção, com destaque para a falta de fiscalização ambiental e para o descaso para com o cumprimento de leis, como o Código Florestal, o Estatuto da Cidade etc.;

4) Criminalização e violência contra movimentos sociais e seus defensores (indígenas, quilombolas, ativistas, sem-terra, sem-
teto, caiçaras, ribeirinhos etc.);

5) Aprovação de leis e normas direcionadas para acelerar a extração de recursos naturais, a grilagem e a entrega de terras a estrangeiros, a concentração da riqueza, a desterritorialização de pobres e excluídos e a degradação ambiental;

6) Redução da participação de determinados setores da sociedade nas decisões do governo, através de mudanças em conselhos e outros fóruns participativos, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA);

7) Subserviência aos interesses dos grupos majoritários do capitalismo global e das nações hegemônicas na geopolítica
mundial;

8) Narrativas e discursos falsos, baseados em falácias, na desinformação e na intimidação.

Inúmeros são os eventos específicos que têm exemplificado a trágica situação vivenciada pelo povo brasileiro nos últimos anos. No plano ambiental, tivemos os exemplos do derramamento de óleo no litoral em 2019. Nesse mesmo ano, no dia 10 de agosto, o latifúndio organizado na Amazônia promoveu o famigerado “Dia do Fogo”, data que pecuaristas e madeireiros elegeram para tocar fogo, literalmente, na floresta, como manifestação de apoio ao Presidente Bolsonaro.

Neste rastro, vimos o avanço das queimadas em 2020. Tudo isso são marcos da falta de compromisso com o futuro do país e de incapacidade de gestão.
As contradições do modelo civilizatório capitalista se avolumam, e a atual conjuntura política brasileira agrava problemas estruturais. Ordinária e continuadamente, nos são oferecidas “saídas” balizadas pelas normas e padrões de uma (ir)racionalidade que ainda coloca o crescimento econômico como uma meta absoluta, despida de qualquer ressalva, como se não abundassem as evidências de que esse crescimento, mundialmente e ainda mais em um país da periferia capitalista, não se dá sem impor pesados custos sociais e ecológicos.

Como consequência da disseminação de um discurso conservador e negacionista, propalado e estimulado por determinados setores e instituições (governamentais e privados), uma naturalização dos crimes ambientais e do desrespeito a direitos humanos, pois, embora boa parte desse discurso cause estranhamento e críticas, logo surgem estratégias
para “normalizar” sua nocividade e facilitar a sua aceitação pública, ao ponto de parcela do incômodo ser internalizado e ser visto como um
“mal necessário”.

Diante desse cenário, indagamos: enquanto geógrafos, como nos posicionar, mantendo o rigor de nossas análises ao mesmo tempo em que nos recusamos a permanecer em silêncio ou nos deixar cooptar, sobretudo no que diz respeito à pauta ambiental? Como não deixar a questão ambiental se transformar em justificativa para ações de caráter repressivo ou militarista? Como contribuir para que as populações e seus territórios garantam sua participação e seu protagonismo nas discussões de seu interesse, em detrimento dos interesses elitistas e corporativistas de grandes proprietários fundiários, do grande capital e até mesmo, tipicamente ao menos, da grande imprensa? Eis algumas das questões e alguns dos sentimentos que nos estimulam a dedicar esforços para contribuir com os processos de (r)existência popular em territórios do
campo, da cidade e das florestas.

Hoje, no Congresso Nacional, há uma lista grande de Projetos de Lei (PLs) que contêm propostas, no mínimo, contestáveis, no que diz respeito à redução da pouca proteção legal de populações e seus ambientes, como a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/2004), o projeto para ampliar a pena contra desmatadores (PL 4689/2019), o da criação de um mercado de carbono no Brasil (PL 588/2020) e o “PL da Grilagem” (Lei 2633/20). De forma mais expressa e intensificada, observamos agressões à política ambiental que têm agravado as injustiças no Brasil.


De toda maneira, certos os problemas não começaram hoje, ou foram inaugurados pela atual conjuntura política. É imprescindível considerar, ainda que de maneira sintética, outros momentos problemáticos, como tudo aquilo que diz respeito aos efeitos do “neodesenvolvimentismo” e do neoextrativismo em conjunturas políticas anteriores (e que já haviam conduzido a intervenções e alterações como, por exemplo, a criticável reforma do Código Florestal em 2012, a construção das usinas hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio etc.); e é necessário levar em conta, igualmente, o crescimento do ultraconservadorismo em escala mundial, paralelamente às tendências de consolidação de um novo papel para o Brasil no cenário geoeconômico mundial (reprimarização da economia e desindustrialização).

Esperamos que o ECOlutas seja um espaço de incentivo a novos e renovados encontros e diálogos. O entrelaçamento de nossos conhecimentos científicos com o saber popular e as experiências ativistas, em especial, é visto por nós como fundamental. Oxalá os geógrafos (de dentro e de fora da Rede de Pesquisadores em Geografia (Socio)Ambiental/RPG(S)A), bem como ativistas e organizações de movimentos sociais, possam ter no GT ECOlutas uma referência e um ponto de apoio para suas análises e avaliações.

08 de janeiro de 2021.

Thiago Roniere Rebouças Tavares
Marcelo Lopes de Souza
Luciano Zanetti Pessôa Candiotto
Valter do Carmo Cruz
Dilermando Cattaneo da Silveira
Fabiano de Oliveira Bringel

Contato: ecolutas@gmail.com

Mais informações pelo link -> https://geografia-socio-ambiental.webnode.com/

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