Manifestação da ANPEGE sobre o afastamento do professor de Geografia Major Claudio Tadeu - Colégio Militar de Brasília.

NOTA DE REPÚDIO


A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE) vem por meio desta nota manifestar absoluto repúdio ao afastamento da sala de aula do professor de Geografia, Major Claudio Tadeu, do Colégio Militar de Brasília. O professor, no cumprimento de suas atividades, teve por parte da Direção do Colégio Militar sua liberdade de cátedra restringida sob a alegação improcedente de que suas análises estavam, de alguma forma, destoantes dos conteúdos do ensino de Geografia e, pior, que o seu comentário e posicionamento sobre fatos da conjuntura brasileira contemporânea tratasse de doutrinação política, como denunciou em redes sociais o pai de uma das alunas, desencadeando a abominável sequência de ações contra o professor.


O professor Claudio Tadeu, Major do Exército, possui título de Mestre em Geografia e título de Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UNB), foi afastado da sala de aula do Colégio Militar e será alvo de abertura de processo administrativo por ter feito análises dos protestos que ocorreram no Brasil no dia 31 de maio de 2020, quando lecionava aula sobre o tema de migrações europeias. A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE), mais alta associação de geógrafos cientistas do país, que representa 58 programas de PósGraduação em Geografia, vem a público manifestar em defesa do referido professor e analisar o fato em tela na aula, diante das atribuições de um professor e pesquisador em Geografia.
O conteúdo ministrado pelo professor refere-se à migração. A análise deste fenômeno não se remete simplesmente ao deslocamento das populações europeias ao Brasil, mas de todo um conjunto de populações que por mecanismos de expulsão e/ou atração deslocaram-se de seus países e fixaram moradia em nosso país. O conteúdo também pode referir-se às migrações internas que, no caso brasileiro, é em geral provocado por problemas socioeconômicos. O fato é que tais processos, sobretudo no que concerne às populações escravizadas (pretas) ou às populações que foram forçadas à mobilidade interna (povos originários, retirantes, etc.), apresentam reflexos que se perpetuam na sociedade brasileira.

O professor Claudio denotava que um destes reflexos se refere às desigualdades sociais, ao preconceito que assola nossa sociedade como outras sociedades mundiais.
Não por acaso nestes dias, um dos elementos relevantes, que somente um ensino contextualizado e crítico poderia produzir, trata-se das manifestações realizadas em todo mundo conclamando justiça e igualdade racial. Este processo se coaduna aos elementos centrais do constructo também da sociedade brasileira, uma vez que os processos migratórios dão o amalgama da constituição social, econômica e étnico-racial dessa sociedade e território. Ou seja, a migração não é um fato isolado, mas constitutivo de toda a nossa história e dos desdobramentos na conformação social brasileira, principalmente de suas desigualdades. Estas desigualdades sociais têm se cristalizado nas relações sociais e reverberado posturas preconceituosos e discriminatórias. O professor demonstrava que, ainda que estas posturas possam permanecer em comportamento individuais, ela não pode se estabelecer nas Instituições e na ação do Estado, cabendo-as, sobretudo a escola, construir uma formação humanística, de tolerância e vivência comum.
Apontava o professor que somente a garantia de impessoalidade e de tratamento equânime por parte das Instituições pode-se consolidar uma sociedade igualitária, democrática e livre, como deve ser livre a análise crítica, o respeito ao direito de cátedra e a responsabilidade formativa dos estudantes.

A análise de fatos cotidianos e conjunturais são próprios do ensino de Geografia. Por sinal, trata-se da ciência que tem como obrigação trazer reflexões sobre conjunturas sociais, políticas, econômicas e culturais do local ao global. O papel do professor, nesse sentido, é abrir discussões, fomentar debates e, assim, permitir o contraditório. O debate e a iluminação de posições contrárias foi e é o elemento principal para o progresso da ciência e contribui para relação de ensino-aprendizagem. Tratar análises políticas e abertura de debates como doutrinação e ideologização é podar pela raiz a função da escola, do professor e da ciência. Portanto, crítica ao professor contém em si uma fragilidade do conhecimento geográfico, ou seja, é uma crítica sem qualquer fundamentação da teoria científica, de quem desconhece o conteúdo da Geografia.

Diante do exposto, repudiamos o afastamento do Professor Claudio Tadeu, considerando que tal atitude apenas reforça o que ele corretamente combatia em suas aulas: o autoritarismo, a construção de uma sociedade que referende a desigualdade e a destruição das Instituições que têm por papel central garantir a plenitude de direitos dos cidadãos.


ANPEGE
08/06/2020
 

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